segunda-feira, 9 de novembro de 2015

A história que ninguém esquece

Uma vez a gordinha, sempre a gordinha!
Eu nasci miúda, 2,800kg, as enfermeiras me apelidaram de Rolinha (uma espécie de juriti pequenina), era  franzina segundo minha mãe conta, tão magra que tinha a pele franzida.

EU BEBÊ

Logo era um bebê normal, daqueles que as mães davam óleo de fígado de bacalhau pra crescer... coisas da década de oitenta.

EU COM NOVE, OITO E SETE ANOS (a última a esquerda)




Vou ter lembranças do meu corpo já lá pelos quatro anos, muito gordinha, papada... mas criança gordinha na década de oitenta era bonitinho né? Saudável...
Na infância naquela época a gente não tinha o bullying, tinha o deboche, porque esse lance de bullying é recente, na época a criança era zoada e pronto.
Lembro de ser a última nos jogos, a devagar, não tinha lá muitos amigos...
Mas a recordação da obesidade chega com força na adolescência, época em que começamos a nos dar conta do nosso eu...
Ah, daí a coisa foi complexa .

EU COM CATORZE ANOS


A gente começa aperceber o escárnio, o ar de deboche e superioridade com que a maioria te olha.
Lembro muito de um dia, numa dessas tardes de aula, lá pela seta, sétima série quando alguém desparafusou uma cadeira e trocou pela minha para que quando eu sentasse ela desmontasse. Foi algo muito marcante, queria morrer naquela hora, um misto de vergonha, raiva e ódio de todos.
Fui passando a adolescência assim, a inteligente e a gordinha... Na hora dos trabalhos em grupo era a disputada, na hora da Educação Física deixada de lado...
O que me recordo é de sempre ter alguém zuando, mesmo na frente dos professores, porque como eu já falei, bullying ainda não era bullying, e eu, bem eu fui me escondendo nas letras, escrevendo, porque nas letras eu era quem queria ser, nas letras eu podia matar e morrer... Ah, e quantas vezes eu fiz isso.
Nessas lembranças eu posso dizer que consigo compreender aquelas crianças americanas vítimas de bullying que surtam e comentem atrocidades nas escolas, porque se a mente  for um pouco mais fraca o risco é grande.
Fui crescendo assim, restrita de meu próprio eu, a família também nunca colaborando. A gorda...
Quando sua forma física vira referência geográfica a magoa cresce mais: mora lá perto daquela gordinha...
E cheguei aos vinte, gorda!

ÉPOCA DA FACULDADE COM VINTE E UM

Nessa altura as roupas começam a virar um problema, nada serve, você entra nas lojas e já te olham assim de lado: só tem até o 44.
E você vai vivendo com tudo isso, trabalhando, estudando, afinal agora você jà é adulta e não pode mais se dar ao luxo de chorar trancada dentro de casa. Você ouve que o cara de quem você pensa que gosta te chamou de "bujãozinho" e tudo vai acumulando...
Daí você decide que vai emagrecer, está com 99 kilos e pensa eu vou emagrecer custe o que me custar, nem que seja a saúde.
E lá fui, caminhar duas horas por dias, jogar futebol uma hora por semana e correr quinze minutos depois do futebol.
Comecei a emagrecer, em três meses fui para 78 kg.
Entrei numa paranoia de comer e sair caminhando para queimar as calorias...
Isso já não me parecia suficiente, eu precisava me livrar das calorias e meu organismo entendeu que vomitando resolvia...
Nessa loucura mantive o peso, fiquei depressiva, não dormia, ficava acordada até duas da manhã.
Amitiptilina e Lexotam
E eu dormia...
FORMATURA DA FACULDADE (devia estar nos oitenta quilos aqui) e uns VINTE E TRÊS ANOS

Eu estava me destruindo para ficar magra, mas estava num peso que entrava num 44...
Demorei muito a entender que aquilo não era o correto, conheci meu marido em meio a essa crise, aos 25 anos.
Casamos três meses depois e em abril do ano seguinte fui picada por uma aranha marrom, parada fui num já para 85 kg. e daí só foi, um anos e sete meses depois quando minha filha nasceu prematura por conta de uma eclampsia eu pesava 99 kg.
Daí veio a sibutramina e a pressão foi no céu, quase morri para voltar aos 95 kg.
E ntão tudo foi numa ladeira desenfreda...

E LÁ VIERAM OS CENTO E TANTOS QUILOS

E nesse meio tempo eu voltei para minha cidade e resolvemos casar na igreja já que só haviamos casado no civil.
Não esqueço, penso que foi o primeiro dia que tive noção do meu tamanho, em frente ao espelho da loja de aluguel de trajes eu me vi de calcinha e sutiã, minhas pernas estavam deformadas, celulite, tinha gordura nas costas, estava horrível.

CASAMENTO RELIGOSO, 110KG

Eu estava destruída, dores horríveis, pressão alta, depressão. Tomava tr~es comprimidos pra pressão, um antidepressivo pela manhã e um coquetel com dois antidepressivos e um ansiolítico a noite por prescrição médica. Durante o dia ficava bem, a noite a mistura me dava alucinações, muito loucas, bem na verdade eu estava chapada de tanto remédio. Lembro de uma noite que eu vi uma galinha ciscando no teto do meu quarto, pensa na viajem.
Foi quando meu ortopedista sugeriu a bariátrica...
Em janeiro de 2011 fiz a cirurgia e os remédios se foram, a pressão se foi...
Tive mais um filho, sem eclampsia...
Meu marido sempre foi meu porto seguro, me aceitou de todas as formas, me apoiou em tudo, me aturou...

DE BIQUINE EVOLUÇÃO
Fazer a bariátrica melhorou muito a minha saúde, melhorou meu corpo e me fortaleceu, sem dúvida.
Mas uma coisa é certa, nada do que vivi foi apagado, lembranças sempre ficam, marcam a gente de uma forma que cicatriza, mas não some.
Hoje eu vivo com um IMC normal, com uma taxa de gordura baixa... mas carrego tudo na memória.


MAIO DESTE ANO
Se mudei, mudei, acredito mais em mim, mas aprendi a ver de fora a vida que levei lá na adolescência e na idade adulta jovem, me arrependo de ter baixado a cabeça. Eu era gorda e daí? Era inteligente, era capaz...
Me arrependo das maluquices pra emagrecer, foi um risco desnecesário.
Hoje eu olho pra trás e vejo que chorei muito, que muitos me machucaram, mas o que lhes deu de lucro isso?
Eu tenho um marido que me aceitou gorda, magra, doente ou saudável, dois filhos lindos, tenho minha casa, minha, construida com nosso suor, tenho quase dezessete anos de serviço efetivo, e o que muitos daqueles tem?
Eu vivi tudo, oito cirurgias até hoje, já enfrentei de tudo na vida, assaltos, acidentes, doenças, obesidade, mas estou aqui.
A gorda sobreviveu! A gorda está viva!
A gente cresce, o bullying marca, o desdenho, a mágoa, mas a gente cresce e continua viva.
E hoje eu tenho a dizer para aqueles que me deixavam por último nos esportes: eu sou saudável! Para quem desparafusou a cadeira: idiota! Para o que me chamou de bujãozinho: eu encontrei o amor e você...está só. Para quem me usou como referência geográfica: quem é você insignificante?
Muitos magros engordaram, gordos emagreceram, o tempo levou tudo e deixou só as marcas.
E hoje eu vivo saudável e com quem me ama e eu amo.

AGOSTO DESTE ANO (depois dessa foto onde estava com 72 kg perdi peso, tenho 67 kg)


Ah, nunca mais vi a galinha ciscando no meu teto, saudades dela, rsrsrs.




3 comentários:

  1. Ah! Me vi na sua história de vida. Parabéns. Espero conseguir fazer a minha cirurgia e também mudar o rumo da minha história de vida.

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  2. Anônimo, força e foco, você vai conseguir.

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